domingo, 26 de agosto de 2018

CULTURA CAIÇARA: AS EXPRESSÕES DO HOMEM DO MAR DO SUDESTE BRASILEIRO



Por Cássio Ribeiro



“Os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia. Vale dizer, uma entidade nacional distinta de quantas haja, que fala uma mesma língua, só diferenciada por sotaques regionais.”

O trecho acima, do livro “O Povo Brasileiro”, obra do saudoso antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), menciona o Brasil integrado em um único Estado Federal, mas salienta as diferenças regionais.

O homem do sertão do sudeste brasileiro, formado a partir de uma mistura entre os costumes dos andarilhos Bandeirantes paulistas e a cultura dos índios que habitavam o interior do Brasil, é muito similar àquela expressão cultural do homem do litoral brasileiro, já que, na beira do mar, também houve uma mistura entre a cultura portuguesa e a cultura indígena.






Tal mistura no litoral foi incrementada pela experiência que os índios tinham com o mar, já que sabiam viver de forma rústica e sobreviver à beira do oceano. Posteriormente, com a vinda dos escravos africanos, a cultura afro também contribuiu com a formação das manifestações culturais do homem do litoral do sudeste brasileiro, o chamado caiçara.




É costume no estado de São Paulo chamar aqueles que nascem e vivem perto do mar de caiçaras. Boa parte do litoral de São Paulo se desenvolveu entre a encosta da Serra do Mar e o Oceano Atlântico.

A cidade de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, apresentou entre 23 de agosto e hoje, 26 de agosto, o 13º Festival da Cultura Popular Caiçara, onde se pôde ver expressões culturais da culinária, arquitetura, artesanato e música caiçara.



Na culinária, destaque para a chef Jéssica Moura, de Ubatuba, com seu cuscuz de frutos do mar.



O saborosíssimo prato, com lula, camarão, marisco, polvo e peixe, ganhou um concurso de gastronomia realizado em Santos, concorrendo com receitas vindas de todo o estado de São Paulo.



Na arquitetura, a casa de pau a pique com telhado de palha.




E o rústico fogão a lenha.




Além da janela, singelamente decorada com capricho; era, em sua forma simples, expressivamente nobre.



Num canto da casa, havia as belas obras do artesão caiçara José Moura, de 65 anos.




Moura, como é chamado pelos amigos, declara-se caiçara e tem muito orgulho disso.

Neste domingo pela manhã, haveria uma corrida de canoas bem em frente o local da festa. 

Por volta das 10h, chamava a atenção apenas uma competidora pronta para a corrida.




Era Hayssa Zandona, 42 anos, que tinha nas mãos seu novo remo a ser inaugurado na ocasião. Em madeira virgem, e entalhado com linhas arrojadas até sua fina ponta, era segurado pela desapontada Hayssa ao receber a notícia de que a corrida de canoas havia sido cancelada por conta da chuva e do frio nessa manhã de domingo em Ubatuba.

Mas a moça informou que todo mês acontece a corrida das canoas no local.



Aliás, outra peça que chamava a atenção na casa caiçara durante a festa eram as miniaturas de Maria Comprida.




A grande e imponente canoa caiçara, em seu tamanho original de 7 metros, pode levar até 12 caiçaras deslizando pelo mar.

Maria Comprida nasce do entalhe em um tronco só; peça única produzida por uma técnica herdada da cultura dos índios que habitavam o litoral.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

SÃO THOMÉ DAS LETRAS: TURISMO E MAGIA EM MINAS GERAIS



Por Cássio Ribeiro



É noite. A Lua é vista pela metade no céu; é iluminada por baixo até a sua metade pelo Sol, já a parte de cima da Lua mostra-se quase oculta, em suave penumbra. Uma noite de sábado, 18 de agosto de 2018 em São Thomé das Letras / MG.






Em uma avenida toda calçada em pedra, pessoas caminham e algumas lojas expõem chapéus de bruxa a venda. Os prédios feitos em blocos de pedra assentados uns sobre os outros dão um aspecto único à cidade.

Na praça da Igreja de São Thomé, praça Barão de Alfenas, tem gente fantasiada e músicas que se misturam por meio do som ao vivo que ecoa a partir dos bares. Quem olha da praça para a fachada da Igreja, percebe os túmulos do cemitério bem do lado esquerdo.

A praça está em festa e tudo, incluindo a área do cemitério, parece estar integrado nas comemorações. Um grupo evangélico também apresenta uma peça teatral no meio de tudo na praça.

A atmosfera fúnebre do cemitério até recebe um pouco da aura da vida que pulsa há alguns metros do muro baixo com grades, mas também empresta um pouco do seu significado para tudo o que ocorre na praça, das festas às pessoas fantasiadas, e todo o mais. Há sempre uma troca nesse sentido.

Túmulos são iluminados pelas luzes e uma mistura de músicas chega até lá, mas ao mesmo tempo as moradas fúnebres servem de cenário, uma espécie de pano de fundo, para toda a vida que acontece na praça.



A praça, a igreja e o cemitério à direita


De madrugada, as canções são entoadas por diversas pessoas. No meio da mistura de cânticos, um deles pode ser identificado e ouvido ainda que atropelado pelos demais: é o hit “Sociedade Alternativa”, de Raul Seixas.

Nada mais apropriado para a cidade que talvez receba a maior concentração de malucos beleza em seu meio urbano. Em dia de festa então, a Festa de Agosto, essa população característica é bem maior na cidade.




São Thomé também é considerada pela Sociedade Brasileira de Eubiose um dos 7 pontos energéticos da Terra; outros desses pontos estariam em Machu Picchu, no Peru, nas pirâmides do Egito e nas montanhas do Tibet.




Sendo assim, a cidade recebe visitas de sociedades científicas, espiritualistas e alternativas. Alguns visitantes vão até São Thomé em busca de contato com manifestações extraterrestres, já que os relatos de avistamentos de ovnis por ali são muito frequentes.




Todo o misticismo e mistério de São Thomé repousa sobre o bloco de rocha quartzito da era histórica geológica do neoproterozoico, chamada de “Pedra de São Thomé”, rocha que, no alto de uma montanha, teve sua extração usada para a pavimentação das ruas e para a construção do centro histórico da cidade.



A formação rochosa de quartzito sobre a qual São Thomé está pode ser observada do Espaço






Há cerca de 600 metros da Praça, seguindo reto pela rua com pavimentação de pedra, rua Plínio Martins, chega-se ao Centro de Eventos da cidade, onde em noite inspirada pela primeira vez que vieram a São Thomé, Dinho Ouro Preto e Capital Inicial fizeram uma apresentação contagiante: "É uma honra pra nós podermos tocar aqui hoje, pois desde moleque eu ouço falar dessa cidade, e aqui estou pela primeira vez na vida. São poucas as cidades no Brasil em que o Capital Inicial não tenha tocado ainda; São Thomé das Letras é uma delas", revelou Dinho.




A noite musical do Capital Inicial tinha como cenário no céu a meia Lua iluminada por baixo, o público cantando o sucesso “Primeiros Erros (Chove)” de forma coesa numa só voz, e o relato do vocalista Dinho sobre como conheceu Renato Russo em Brasília: “Conheci o Renato quando eu tinha 16 anos. A primeira vez que o vi ele estava sentado na calçada tocando com a banda Aborto Elétrico em uma lanchonete em troca de um xis-salada. Era uma humildade em pessoa e sempre nos surpreendia produzindo coisas cada vez melhores com o passar do tempo”, relatou o carismático vocalista. Dinho interagia com o público inspirado pelo fato de estar pela primeira vez em São Thomé das Letras.

Os atrativos turísticos em São Thomé são muitos, mas são temas que merecem uma postagem específica sobre eles em outra ocasião: formações rochosas como a famosa Pedra da Bruxa, cachoeiras Paraíso, da Lua, Eubiose e outras, a casa da Pirâmide e as grutas de São Thomé e do Carimbado, além de trilhas para pedalada, motocross e veículos off road.

Uma das lendas mais famosas é a de que a gruta do Carimbado, sem seu final ou sua saída conhecidos até hoje, seria a entrada de um túnel que liga São Thomé das Letras a também cidade de pedra de Matchu Pitchu, no Peru. Esse fato foi abordado pela mini série “Filhos do Sol”, da extinta TV Manchete.

São Thomé das Letras foi fundada em 1785 pelo barão de Alfenas, e fica no curso da Estrada Real. A cidade fica no sul do estado de Minas Gerais e seu nome nasceu da lenda sobre a imagem de São Thomé ter sido encontrada em uma gruta por um escravo fugitivo. Junto com imagem, havia uma carta escrita sem erros, algo impossível de ter sido feito por um escravo que não tinha desenvolvida a prática com a escrita, pois não lhe era fornecida tal possibilidade.

Chegar a São Thomé é possível pela estrada de terra que vem de Cruzília MG, o que encurta o caminho para quem vem do Vale do Paraíba a partir da rodovia Presidente Dutra, mas não há pavimento (estrada de terra). Outra opção de chegada é pela rodovia asfaltada (LMG-862) a partir da cidade de Três Corações MG, mas aumenta consideravelmente o caminho e o tempo de viagem para quem vem de São Paulo e do RJ.




sábado, 26 de março de 2016

DADÁ FIGUEIREDO: A REVOLUÇÃO DO SURF BRASILEIRO EM COMPORTAMENTO E PESSOA







Cássio Ribeiro

Morava longe da praia, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, quando começou a surfar. De improviso, fazia e pintava as próprias pranchas, era punk e surfista que ia de encontro à cultura do surf das décadas de 80 e 90; grande inovador das manobras do surf naqueles tempos e muito mais.



Tudo isso fez e faz de Dadá Figueiredo um dos mais lendários e carismáticos surfistas brasileiros ao mesmo tempo em que faz sua história ser também uma das mais curiosas entre todas as relativas aos atletas nacionais em todos os tempos.





Quem hoje vê nossos campeões mundiais de surf Gabriel Medina e Mineirinho decolando da onda e girando em lindos 360 graus perfeitos no ar e voltando de forma precisa para a onda não imagina que houve um tempo em que os juízes não valorizavam essas manobras.




O surf era valorizado numa descida reta da onda com seus tubos sem muito improviso e criatividades. Naquele tempo, Dadá Figueiredo, com seu estilo influenciado pela prática do skate, já inovava com manobras bem mais radicais para o surf de então.




Voava em aéreos e desferia lay backs e batidas radicais que castigavam as ondas. Há registros de Dadá Figueiredo ainda menino tentando executar aéreos já na década de 1970.






Os juízes, naquele tempo conservadores em relação à manutenção de um surf clássico, não valorizavam muito esses feitos e muitas vezes classificavam como “palhaços” os atletas que tentavam mostrar uma nova tendência das manobras no surf daquele tempo, e Dadá era o principal desses radicais inovadores. Todo esse estilo próprio acabou ficando famoso com o nome de “Escola Dadá Figueiredo”.





O astral paz e amor não combinava muito com o jeito de ser de Dadá Figueiredo com suas roupas pretas ao estilo punk rock, que era o som que ele curtia para se inspirar antes de suas baterias nos campeonatos, e dava muito certo.







No começo com o surf, Dadá morava na Tijuca e seu pai era diretor do Camping Clube do Brasil que ficava na praia da Barra, na cidade do Rio de Janeiro. Entre os anos de 1970 e 1973, o surfista sempre passava as férias e os finais de semana com os familiares na praia da Barra.




Ele observou uns caras que desciam as ondas da Barra naquele início da década de 70, e ainda uma criança, disse à mãe que queria fazer aquilo também. Ele conta que foi amor à primeira vista pelo o surf.




Sua mãe então comprou uma prancha de isopor no supermercado perto da praia e Dadá tentava ficar em pé na arrebentação, que é a parte mais espumada das ondas. Estava começando ali uma saga lendária do surf brasileiro.






Um fator que influenciou muito seu surf foi a prática do skate. Como Dadá não morava tão perto da praia, a prática do skate possibilitava ao surfista manter-se ativo quando não podia ir ao mar.




Todo o radicalismo aplicado por ele em seu surf com manobras inovadora e ousadas para a época era resultado direto de influências das manobras do skate. Dadá foi o primeiro surfista a mesclar a prática do surf com o skate.







Dadá logo acabou com a primeira pranchinha dada por sua mãe e logo arrumou outra. Já nessa ocasião, começou a se aventurar como shaper e fabricante de pranchas. 



Cortou partes que achou desnecessárias nessa segunda prancha de isopor, colocou uma quilha centralizada perto da parte traseira e aplicou uma pintura que acabou corroendo e engruvinhando o isopor, fato que piorou as assaduras no peito em sua prática inicial do surf.




Surfar com essas “canoas” de isopor deram a Dadá a experiência necessária para deslanchar quando passou para as pranchas de fibra laminadas de forma mais profissional.


Essa questão de Dadá Fazer as próprias pranchas sempre foi uma característica sua, sendo um verdadeiro surfista shaper. Aquele que testa as pranchas que fabrica na água e vai pegando a experiência prática de avaliar as necessidades de melhorias nas próximas pranchas fabricadas.




Essa característica de buscar o aprimoramento constante na fabricação das próprias pranchas veio da influência do movimento punk, que prega a ideologia do “faça você mesmo”. Dadá também tinha sua própria banda de punk rock, que foi a primeira banda punk do Rio de Janeiro: “OS NORMAIS”.





Ele costumava adquirir pranchas velhas e as desencapava para remodelar o bloco de poliuretano interior. Como suas pranchas eram reedições de pranchas já existentes, seus exemplares produzidos eram bem finos e os tamanhos das pranchas usadas pelo surfista não ultrapassavam os cinco pés e meio de comprimento do bico a rabeta.





A influência da prática do skate associada à pranchas mais finas, menores e mais leves não poderia dar em outra; surgiram assim alucinantes manobras radicais para o surf da época, fato que conquistava o público mas não os juízes conservadores com relação a um surf clássico.



As pessoas perguntavam quando seria sua bateria e ficavam aguardando para assistirem a mais um show do surf progressista da chamada Escola Dadá Figueiredo. Sem dúvida, um surfista que estava muito a frente de seu tempo.



Dadá praticava um surf diferente, vestia-se e tinha um cabelo diferente (estilo punk). Seu look era diferente de todos os surfistas de então. Isso fez Dadá torna-se um mito e arrastar multidões de fãs atrás de si onde quer que competisse.


A experiência adquirida como shaper que fabricava as próprias pranchas a partir de blocos de pranchas antigas e usadas rendeu a Dadá um convite para uma parceria com a marca Cristal Graffiti, do Rio de Janeiro, que era uma das líderes do mercado naquele tempo.





No surf, Dadá foi campeão carioca em 1989 e sempre esteve entre os top 16 do Circuito Brasileiro de surf nos anos 80 e 90, tempo em que era um dos surfistas mais bem pagos do surf nacional. É considerado hoje um dos 22 surfistas mais influentes do Brasil em todos os tempos.



O sucesso com fabricação de pranchas e com a prática de um surf inovador e autêntico passou a ser assombrado pelo alcoolismo e a cocaína.



Nesse tempo, Dadá resolveu abraçar de vez a contracultura do surf de então. Surfista na década de 80 e 90 vestia-se com roupas coloridas, ouvia surf music e reggae, tinha em geral uma postura natural com relação a alimentação e aos cuidados com o corpo.





Dadá fundou a marca Anti-Fashion junto com Eduardo Crivela. A marca iria contra tudo que estava na moda, porém, o carisma e o sucesso de Dadá associados à Anti-Fashion fizeram a marca ficar Fashion, e Crivela começou a fornecer pranchas para a marca Company. Dadá se desagradou demais com isso e saiu da Anti-Fashion.

  
O surfista então fundou sozinho uma nova marca muito mais underground chamada Necrose Social.





Esse foi um dos períodos mais problemáticos da vida de Dadá em meio ao uso constante do álcool e da cocaína, tempo em que também frequentava shows e festas punks no Rio de Janeiro.


O envolvimento em brigas no meio punk acabaram levado-o a ser agredido com 12 facadas em Copacabana. Ficou entre a vida e a morte mas felizmente sobreviveu quase que por um milagre.



Depois de se recuperar das facadas, Dadá Figueiredo voltou com tudo ao surf e ainda venceu diversos campeonatos.




Dadá também não tinha papas na língua. Ele começou a ficar indignado com a exploração de empresários do surf em relação aos atletas. Na ocasião em que foi chamado ao palco no evento chamado Staff Poll, que reconhecia os 10 melhores surfistas brasileiros, em 1985, ele foi ao palco e, depois de receber o troféu de 4º lugar das mãos do ator Kadu Moliterno, Dadá arremessou o troféu no chão e esbravejou: “MORTE AOS PARASITAS FILHOS DA PUTA”, em uma crítica aos empresários que o patrocinavam e exploravam o seu talento. O evento foi produzido por Fred D’Orei, que cortou relações com o surfista depois disso.





O fato é que Dadá estava certo e a exploração acontecia com muitos outros surfistas de talento que estavam aparecendo e acontece até hoje, não só no surf mas também no skate.



Dadá conta que não disputou o Circuito Mundial de Surf (WSL atual) porque com os patrocínios que tinha não seria possível financeiramente fazê-lo, e também que seria prejudicado em notas: “se você não for Rip Cirl, não for Billabong, não for Quiksilver você vai ficar sendo roubado (em notas nas baterias) o tempo todo; neguinho não te dá crédito nenhum”, explica Dadá.



 
 
Por outro lado, ele analisa que as marcas nacionais acabaram prejudicadas e enfraquecidas pelas empresas de fora do Brasil: “as marcas internacionais chegaram com tudo, elas têm um marketing muito forte e elas tem surfistas do mundo inteiro; então isso prejudicou as marcas daqui que patrocinavam a gente”, afirma Dadá.




Abaixo, o próprio Dadá Figueiredo fala do esporte, de sua vida, do envolvimento com álcool e as drogas e da recuperação:


Você foi o cara que trouxe o skate pro surf e mostrou o futuro, na época. Quem você acha que é o futuro do surf hoje? 




"Cara, eu acho… posso até estar errado, mas eu acho que os caras do freesurf é que estão inovando. São os caras que não correm muito campeonato e têm essa liberdade de inovar. Eles ficam tentando fazer certas coisas que… entendeu? Tipo Dane Reynolds e essa galera aí. Daí os caras que competem começam a imitar.


Então, pra mim, os caras do freesurf, que estão fazendo filmes de surf e que fazem várias manobras tiradas do skate, é que estão inovando…


O competidor fica mais naquele feijão com arroz, tudo bem que hoje tem aéreo pra caramba, mas eu acho que os caras do freesurf são mais inovadores."


Como era a cena do skate quando você começou a andar, chegou a competir no skate também?


"Eu comecei a surfar antes de andar de skate, mas aí comecei a andar e me dei bem com o pessoal. Foi bem no começo mesmo, cheguei a ver neguinho andando de skate com roda de patins… desmontar patins pra fazer skate. Era um negócio bem surf, como se estivesse surfando no asfalto. Então, como eu morava longe da praia e não podia surfar toda hora, eu usava o skate pro surf e foi o que me deu a base.



Eu comecei a ver os caras andando nas pistas e mandando aquelas desgarradas e passei a gostar daquilo e aplicar no surf. Eu não era profissional, já tinha uns caras profissionais na época, mas eu gostava de andar porque me ajudava no surf. Só que com uns 14, 15 anos, eu comecei a ficar mais independente e ir à praia sozinho, daí fui largando o skate, mas aquilo me deu a maior base. Até hoje eu dou um rolê e me amarro.
 
Eu sabia que neguinho ia começar a fazer aquelas manobras do skate no surf, era uma questão de tempo. Hoje eu vejo como eles estão surfando e me dá a maior alegria, pois era aquilo que eu queria fazer na época."



Fale um pouco da sua vida desde o início no surf:



"Quando adolescente via meu pai brigando com a minha mãe. Ele era alcoólatra. Uma vez, saiu à noite e chegou no outro dia, batendo então demais nela. Cheguei a vê-lo tirar sangue da minha mãe. Cansado de suportar tantas brigas do meu pai passei a gostar muito de ir para a rua, e ao fazer isso comecei a cheirar cola. Não sei como descobri que cheirar cola dava onda. Passei a cheirar cola de sapateiro, cloreto de metileno, éter, benzina etc.

Tinha muitas alucinações, resultado de assistir a tantos problemas na família e ansiar fugir a eles. A primeira vez que tive curiosidade de beber aconteceu por querer descobrir a razão pela qual meu pai bebia.



Instigado pela curiosidade de saber o que acontecia com ele comecei a misturar vinho com soda e cerveja. Uma ocasião, numa festinha, tomei o maior porre, sendo obrigado a ir para o hospital e tomar glicose. A partir dali, sempre que bebia morria de medo de apagar. No entanto, à medida que ia surfando ia me dando muito bem nos campeonatos.


Em razão disso pensei: “É melhor eu parar de cheirar cola, porque isso vai acabar me atrapalhando... Estou começando a ganhar um dinheirinho, e estou gostando...” No entanto, quando acordava cedo e ia tomar café, já era aquela barra: meu pai reclamando de mim, falando contra todo mundo, um horror! O jeito então, sem pensar nas drogas, era ficar na praia o dia inteiro, só voltando para casa lá pelas 4, 5 horas da tarde. Nesse tempo eu tinha meus 17, 18 anos.




A Barra da Tijuca era então muito deserta. Eu via gente fumando maconha, roubando carro... Comecei a me misturar com esse pessoal. Só que eu não gostava de fumar maconha; meu negócio era surfar mesmo. No entanto, quando participava de umas festinhas acabava bebendo, e muito. Contudo no dia seguinte lá estava eu na praia. As pessoas me avisavam: “Você vai virar um alcoólatra, cara...” Mas eu não dava a menor bola... E acabei virando alcoólatra mesmo!


Tudo começou com uma festinha aqui no final de semana, outra ali, outra acolá... Entrava de penetra nas festas, e fui gostando cada vez mais de ficar saindo. Minha vida então passou a ser: surf de dia, e festa à noite, sempre bebendo. Resultado: aos poucos fui virando um verdadeiro alcoólatra. Levou cerca de 10 anos para eu começar a beber; depois de 10 anos passei a beber durante a semana; em todos os encontros sociais e entrega de prêmios eu tinha que estar alcoolizado.



Que horror: no tempo que teoricamente seria o auge da minha carreira, eu estava sempre alcoolizado. Ganhava o campeonato, vindo daí fama, televisão, o jornal e todo mundo enchendo a minha bola. Sucesso total! Entretanto, quando tudo chegava ao fim eu sentia um vazio enorme. Resultado: corria para o álcool. E quando eu perdia as competições? Por não saber lidar com o sentimento de perda, fatalmente bebia também. Em resumo: estava sempre afogando no álcool os meus sentimentos, a minha triste realidade. Não fumava maconha porque não gostava... De repente me via dominado por uma enorme preguiça; então, com o passar do tempo fui achando que estava velho, acabado, sem forças, morto, e até mesmo sem vontade de competir – aquilo que mais adorava fazer na vida...


Em 1990 eu, que ia sempre a shows punk, levei 12 facadas! Andava no meio dessas gangues. Sempre gostei do tipo de som pesado mesmo... Idolatrava essas bandas. Até hoje não sei como eu não morri... Foi incrível... Passei então a cheirar cocaína junto com álcool.



Depois usei também ácido e outros tipos de droga. E, claro, brigava com os outros surfistas no dia... De 1992 a 1997 foi só vício. Foi quando tive que vender dois terrenos para poder continuar cheirando cocaína. A loja fechou e fui vendendo tudo que tinha, a fim de comprar a droga maldita. As coisas foram acabando, porque não entrava dinheiro. E fiquei realmente na pior...A fama? O dinheiro? A galera? Fiquei sozinho, meu camarada!...

Dali a pouco estava surtando. Não tinha jeito mesmo! Estava louco, louco varrido! Quebrava coisas dentro de casa, como televisão, pichava paredes com coisas horríveis, desenhos espantosos, coisas esquisitas, uma doideira!

Foi nessa fase negra que teve início minha vida ao lado da minha esposa.

Eu estava então usando a cocaína direto. Ela participou, pois, dos piores anos da minha vida. Acabei internado dois meses e três semanas.
 

Fiquei mais de um ano fazendo terapia, indo a grupos de AA (Alcoólicos Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos). E vivia triste, porque no fundo já não queria usar drogas. Só que não conseguia evitar. De dois em dois meses voltava a usar. A terapia não funcionou. E eu começara a voltar aos campeonatos... Estava mesmo precisando mudar...



E foi aí, num campeonato em Florianópolis (SC), que vi o Bita, outro surfista que fazia muito tempo era famoso. Ele estava de uma onda diferente da minha... Era um lance legal, doido também, mas onde não rolava droga, bebida, vício, tristeza, ódio, doideira, nada disso. Ele falava de Jesus...


Imagine só: eu Dadá Figueiredo, o cara mais louco da época, ouvindo um outro cara completamente louco falando de Jesus, amor e coisas desse tipo!...



Depois o Jojó, outro surfista campeão, também deu um testemunho... Aí o cara perguntou quem gostaria de aceitar a Jesus, e eu aceitei. Queria mudar de vida; topava qualquer parada. E foi o que eu fiz. Saí daquela reunião e usei droga de novo. No entanto, três dias depois experimentei uma sensação de arrependimento como jamais experimentei em toda a minha vida! Era algo diferente, mas eu não conseguia entender o quê... Voltei para casa e quase me internei de novo.



Tive uma baita recaída no Rio, e minha esposa me disse que eu tinha que voltar a me internar, ou ela não moraria mais comigo se eu continuasse daquele jeito... Até que num determinado dia, quem encontro no calçado? O Manga! Um grande amigo do Bita, que estava me procurando. Ele me ajudou muito. Comecei a visitar uma comunidade cristã. Comprei um livro cristão e fui para o Panamá, a fim de surfar e fazer uma matéria para uma revista. Aquele lugar tinha umas ondas perfeitas... O tal livro falava sobre a vida cristã e um novo padrão de comportamento. Eu o li umas três vezes, e fui tocado por Deus. Então, quando eu voltei para o Brasil me tornei um cristão de verdade.






Comecei a me sentir muito bem. Até disse à minha mulher: “É melhor do que a terapia!” E com o tempo fui largando tudo. Nunca mais voltei para o NA. Depois larguei o terapeuta, que disse: “Você continua assim porque está bem, e não sai mais...”


Que foi feito da minha vida doida? Tudo, tudo mudou de verdade. Larguei a droga, larguei a bebida, larguei a doideira!



A relação com a minha esposa mudou completamente. Eu batia muito nela, e vivia traindo-a, mas com o tempo Deus foi restaurando tudo. Hoje estamos com três filhos. Quando ela me viu ficando legal se entregou a Jesus rapidinho! Ela viu como eu estava mal, me prostituindo para usar cocaína, tomando álcool com café, álcool de todo jeito e a toda hora, em todo os lugares, com as pessoas mais doidas.

 
E ainda: se em três dias eu não cheirasse a cocaína, ficava muito louco. Eu xingava os patrocinadores porque não me pagavam, e outros que me haviam mandado embora em razão de minhas atitudes. Numa entrega de prêmios, o ambiente lotado, gritei: “Morte aos parasitas!” Pois foi aí mesmo que a galera me idolatrou mais ainda... Contudo toda essa loucura acabou quando Jesus entrou na minha vida.


O terapeuta de casais que consultávamos nos disse que o casamento não tinha mais jeito, porque eu estava ficando louco... Só que Deus é especialista em fazer tudo que está estragado ficar muito bom!

 Dadá com a família

 

Vivo agora uma nova fase, como um novo homem, com novas ondas. Inclusive minha vida financeira está sendo restaurada. Estou recomeçando a fazer roupas e pranchas.


Estou com a minha banda e com esse projeto da Escolinha de Surf em frente à minha comunidade cristã – que é um campo de evangelismo meu. Sou um novo homem, e tudo mesmo, está hoje nas mãos de Deus!"

 Com as duas filhas

 
O que você enxerga no surf do seu filho Dávio e se identifica, e o que te surpreende?

"Eu acho que ele tem aquela vontade de surfar, igual eu tinha. Eu não pensava em nada, corria os campeonatos e já era… o negócio era surfar, e eu vejo isso nele. Mas, hoje em dia, não está mais assim, o negócio é mais profissional e eu digo isso pra ele… tem que se dedicar mais, ficar mais atento pra certas coisas. O surf está muito difícil aqui no Rio, surf amador, surf profissional… tá quase sumindo, entendeu?
Tem muito surfista, mas todo mundo quer surfar por prazer, ninguém quer ficar em um campeonato esperando bateria.


Com o filho Dávio Figueiredo durante o Wave Giant Master na Prainha, no Rio de Janeiro

Ainda tem esses problemas de associação e federação, que ao invés de ajudar acabam atrapalhando, embarreirando evento… Então é bem preocupante a situação dele, pois ele está querendo ser um surfista profissional e eu não vejo pra onde ir... Daqui a pouco ele vai se tornar um profissional e não vai ter campeonato profissional, não vai ter circuito profissional… não sei se haverá campeonato brasileiro… não está tendo um campeonato brasileiro… e isso é péssimo. Eu falo pra ele, você tem que surfar, mas ficar atento, porque poderá ter que partir pra outra, infelizmente."


Pra finalizar, quer deixar algum recado?

"Não sei… acho que é isso aí… o negócio é viver a vida... cada um tem um estilo e é preciso respeitar."




Atualmente, Dadá é pastor evangélico e trabalha na própria fábrica de pranchas, além de dar aulas em uma escolinha de surf que mantém na praia da Barra da Tijuca há mais de 12 anos, pela qual já passaram mais de 5 mil alunos.


Dadá também está sempre nos campeonatos amadores de surf acompanhando o filho Dávio Figueiredo. Dadá diz que sempre orienta o filho a nunca deixar de estudar, pois acha que o surf é um esporte ingrato e difícil em termos de valorização financeira dos patrocinadores em relação aos atletas.


Com o filho Dávio há alguns anos durante competição infantil de surf


Atualmente, aos 51 anos, Dadá Figueiredo, considerado o surfista mais carismático do surf brasileiro em todos os tempos, foi homenageado com um documentário que conta sua trajetória.

O documentário “Radical, A Controversa Saga de Dadá Figueiredo” mostra o roteiro de uma vida conturbada cheia de acertos, erros, voltas por cima e recuperações, e conta com a participação de familiares e de outros grandes nomes do surf brasileiro, além amigos próximos da época de competições no surf profissional.



 Trailer do Documentário










Agradecimentos ao  canal SÉRIES FECHAM.TV, do YouTube